Capítulo 4: Pontos, milhas e programas de fidelidade: benefícios reais ou armadilhas de consumo?

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Com total honestidade, falar sobre pontos e milhas no cartão de crédito é entrar num terreno de promessas tentadoras — passagens aéreas, upgrades, salas VIP, descontos em produtos, acesso exclusivo. Para muitos brasileiros, esses programas viraram argumento para justificar o uso intensivo do cartão. Mas será que esses benefícios são reais? Ou estamos diante de um novo tipo de armadilha de consumo disfarçada de privilégio?

Segundo estudo da ABEMF (Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Fidelização), mais de 150 milhões de cadastros ativos existem em programas de pontos no Brasil. Porém, apenas 35% dos consumidores conseguem resgatar seus pontos antes do vencimento. Ou seja, a maioria acumula — e perde. E essa perda acontece por descuido, falta de planejamento ou por não entender como funciona o sistema.

O economista Ricardo Amorim costuma dizer que “acumular milhas sem controle é como juntar moedas furadas — elas parecem valor, mas desaparecem na prática.” A metáfora é precisa. E traz à tona a diferença entre o benefício e o custo oculto por trás de cada ponto acumulado.

Espero que se entenda com clareza: os programas de fidelidade funcionam quando o uso do cartão está dentro do orçamento e há acompanhamento rigoroso. Fora desse contexto, os “prêmios” não compensam os juros, as taxas e o risco de endividamento. Afinal, para cada R$ 1.000 acumulado em compras, o consumidor precisa pagar a fatura integralmente no vencimento — qualquer atraso anula o ganho e gera prejuízo.

Vamos aos tipos principais de programa:

Pontos que viram milhas: como Livelo, Esfera, TudoAzul. São programas vinculados a companhias aéreas ou plataformas parceiras. O consumidor acumula pontos com base no valor gasto, e pode transferi-los para milhas — desde que siga prazos, taxas e regras específicas.

Cashback: cada compra retorna em percentual diretamente na fatura. Mais simples e transparente. Cartões como o Inter, Nubank e C6 Carbon oferecem esse modelo.

Descontos em parceiros: uso de pontos como moeda para produtos ou serviços — mas com valor muitas vezes inflado, exigindo grande acúmulo.

A educadora financeira Carol Sandler, em seu curso sobre finanças práticas, recomenda que o consumidor avalie o benefício sempre em termos de valor real: “Se você precisa gastar R$ 5.000 para ter R$ 50 de volta, esse cashback é de 1%. Compare com os juros que você pagaria em atraso e veja se vale.”

Gostaria de compartilhar uma situação típica observada em entrevistas de campo: pessoas que parcelam uma compra desnecessária só para “bater a meta” de pontuação e conseguir um resgate em promoção de milhas. A conta não fecha. E, muitas vezes, o produto comprado nem seria adquirido sem esse incentivo. É o benefício como desculpa para o consumo — e esse comportamento deve ser revisto.

No aspecto técnico, os programas mais vantajosos tendem a ser os vinculados a cartões com anuidade alta ou com requisitos de renda elevada. O consumidor precisa colocar na balança: o que ganho em benefício compensa o que pago em taxas? Muitos cartões oferecem isenção de anuidade com uso mínimo mensal — e esse é outro cuidado: não transforme esse uso mínimo em gasto forçado.

Outro ponto relevante: a validade dos pontos. Milhas podem expirar em 12, 24 ou até 36 meses — e a transferência entre programas pode ter custo. É essencial revisar o saldo mensalmente, verificar regras e simular trocas com antecedência. Algumas plataformas como Melhores Destinos ou Passagens Imperdíveis oferecem alertas de promoções que otimizam o valor dos pontos.

A professora Renata Nunes, da FEA-USP, reforça que “benefício só é ganho quando não altera o comportamento de consumo. Se você compra diferente por causa dos pontos, os pontos compraram você.”

Concluo este capítulo dizendo o seguinte: sim, pontos e milhas podem ser vantajosos. Sim, o cashback pode ajudar no orçamento. Mas só se o cartão estiver integrado ao planejamento financeiro, com controle real e uso consciente. Porque nenhum programa de fidelidade vale o endividamento, o parcelamento compulsivo ou a perda do sono por causa da fatura.

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