Capítulo 2: Dinheiro parado não rende? Por que poupar é, sim, uma estratégia inteligente em certos momentos

Com total honestidade, uma das frases mais repetidas — e menos questionadas — no universo da educação financeira é: “dinheiro parado não rende”. Ela aparece em cursos, palestras, redes sociais e até em anúncios bancários. Mas será que é verdade? Ou estamos diante de uma generalização que ignora contexto, momento e estratégia?
A ideia de que todo dinheiro deve estar investido parte de uma lógica legítima: os recursos ociosos perdem valor diante da inflação. E sim, em termos econômicos, o poder de compra tende a se corroer se o dinheiro estiver parado em uma conta corrente sem remuneração. Mas o problema surge quando essa frase é usada como dogma, como se guardar dinheiro sem aplicar fosse sempre uma decisão equivocada.
Segundo dados do Banco Central, em 2024, mais de R$ 350 bilhões estavam parados em contas correntes no Brasil. Para muitos especialistas, esse número revela desperdício. Mas o contexto mostra que boa parte desses valores estão ali por escolha tática — reserva de emergência, liquidez imediata, ou preparação para compromissos próximos.
O economista Gustavo Cerbasi aborda esse tema com ponderação: “Dinheiro parado não é problema quando está em fase de espera estratégica. Investir exige timing, produto certo e objetivos claros.” Em outras palavras, às vezes o dinheiro não está parado — está posicionado.
Espero que se entenda com clareza que existem momentos em que guardar é mais prudente que investir:
Construção da reserva de emergência. Essa etapa exige liquidez imediata, segurança e estabilidade. Aplicações como Tesouro Selic ou CDBs com liquidez diária são preferíveis, mas até a poupança pode cumprir função de curto prazo.
Incertezas profissionais ou familiares. Mudança de emprego, gravidez, doenças, reformas. Ter dinheiro disponível traz tranquilidade diante de cenários instáveis.
Preparação para compras ou pagamentos programados. Quem vai comprar um carro, pagar matrícula, viajar ou investir em um negócio não deve expor o dinheiro ao risco nesse período.
Ausência de conhecimento sobre investimentos. Investir sem compreender os produtos é um erro mais grave do que não investir. Guardar com cautela enquanto se estuda é uma postura sensata.
Gostaria de compartilhar uma observação recorrente em entrevistas que fiz com famílias endividadas: muitas delas aplicaram recursos sem entender o prazo de resgate ou as condições, e acabaram recorrendo ao cartão ou empréstimos para cobrir despesas básicas — enquanto o “dinheiro estava investido”. Isso mostra que nem sempre a aplicação compensa. Liquidez e previsibilidade têm valor.
A professora Renata Nunes, da FEA-USP, reforça essa ideia em suas aulas sobre ciclos financeiros: “Investir deve vir depois da estabilidade. Dinheiro parado é preparação — não perda — quando há estratégia.”
No aspecto técnico, o rendimento ideal deve ser comparado com o risco, a liquidez e o objetivo. Um investimento de 12% ao ano pode parecer atrativo, mas se exige resgate em 5 anos e o consumidor precisa do recurso em 12 meses, o rendimento perde relevância. O bom investimento é aquele que casa prazo, propósito e perfil.
Também vale mencionar os chamados fundos de liquidez imediata, contas remuneradas oferecidas por fintechs, ou alternativas híbridas que combinam poupança com rendimento diário. O mercado hoje oferece opções que rendem mesmo sem complexidade. Bancos digitais como Nubank, PicPay, PagBank e C6 Bank têm soluções que remuneram a conta automaticamente — o que pode ser uma boa porta de entrada.
Por fim, é necessário revisar a frase com maturidade: dinheiro parado pode sim render, dependendo de onde está e por que está ali. O planejamento financeiro não é só sobre rendimento — é sobre coerência. E às vezes, ter liquidez é mais valioso do que rentabilidade.
Concluo este capítulo reforçando que poupar não é atraso — é preparação. E o dinheiro parado, quando colocado ali com propósito, é símbolo de maturidade, não de estagnação. Investir é importante. Mas guardar bem é o que permite investir melhor. O segredo está no tempo — e na intenção.