Capítulo 4: “Comprar parcelado é pagar pouco”: o custo invisível dos juros disfarçados e das decisões apressadas

Com total honestidade, poucas frases são repetidas com tanta convicção nas lojas, nas conversas entre amigos e nos anúncios publicitários como esta: “É baratinho, dá pra parcelar.” O parcelamento, no Brasil, virou quase uma justificativa automática para o consumo. Só que por trás dessa ideia de que “parcelar é pagar pouco” existe uma lógica complexa — e muitas vezes disfarçada — que precisa ser encarada com mais atenção.
Segundo levantamento da CNDL e SPC Brasil, cerca de 76% dos consumidores fazem compras parceladas com frequência, principalmente em setores como eletrodomésticos, vestuário e serviços. Isso mostra que o parcelamento está profundamente enraizado na cultura de consumo brasileira. Mas o que poucos se perguntam é: qual o custo real de cada parcela?
O economista Gustavo Cerbasi costuma alertar: “Não existe parcelamento sem consequência. Mesmo quando não há juros explícitos, há custo embutido.” Essa frase joga luz sobre uma realidade negligenciada — muitos produtos parcelados têm preço diferente do pagamento à vista. E essa diferença não está no boleto: está no valor final.
Espero que se entenda com clareza: o parcelamento só é vantajoso quando atende três critérios técnicos fundamentais:
Sem juros explícitos ou embutidos
Compatível com a capacidade de pagamento mensal sem comprometer outras categorias
Para bens duráveis ou investimentos de longo prazo, e não consumo imediato
Gostaria de compartilhar uma observação recorrente das entrevistas que fiz para a Folha de S. Paulo: boa parte dos consumidores diz não saber quantos parcelamentos ainda estão ativos. É como se a dívida fosse esquecida em cada swipe do cartão. Mas esquecê-la não elimina seu impacto — ele aparece no saldo, no limite reduzido e na tensão mensal da fatura.
Outro ponto importante é o chamado “juros implícito”. Mesmo em compras anunciadas como “sem juros”, o lojista pode ajustar o valor unitário do produto para compensar o parcelamento. Ou seja, o preço à vista é diferente — e, muitas vezes, mais vantajoso. A professora Eliane Tancredi, da Unicamp, reforça que “quando você paga em parcelas, o produto muda de valor, mesmo que o vendedor diga que não.”
No aspecto técnico, é importante compreender também o impacto das parcelas acumuladas. Um consumidor pode ter três ou quatro compras parceladas simultâneas, todas “leves” separadamente, mas que somam um valor alto quando analisadas juntas. E isso compromete o fluxo de caixa futuro — além de limitar a possibilidade de poupança ou investimento.
Uma técnica útil recomendada por planejadores é a criação de um mapa de parcelamentos futuros. Em uma planilha simples, o consumidor registra:
Valor da parcela
Quantidade de meses restantes
Categoria de consumo (ex: eletrônico, vestuário, serviço)
Total comprometido mensalmente
Esse mapa ajuda a visualizar o impacto total, promover decisões mais conscientes e evitar sobreposição de compras.
A educadora financeira Carol Sandler, em seus cursos sobre consumo inteligente, propõe uma regra prática: “Nunca parcele o que pode ser substituído ou postergado.” Essa frase convida à reflexão — será que o produto que você deseja é necessário agora? Existe versão mais acessível? Dá para esperar?
Outro mito que precisa cair é que parcelar é sempre sinônimo de poder comprar. Na verdade, parcelar pode ser sinônimo de adiar o impacto emocional da compra. O consumidor sente que não está gastando muito — quando, na prática, está comprometendo meses futuros. Isso gera a chamada ilusão de acessibilidade, que desequilibra o orçamento no médio prazo.
A psicóloga Ana Paula Andrade, especializada em finanças emocionais, reforça: “A parcela anestesia a decisão. É o consumo com efeito retardado — e, muitas vezes, com culpa posterior.” Essa lógica precisa ser revista não só com números, mas com consciência.
Concluo este capítulo com uma convicção: parcelar não é erro — desde que seja feito com análise real do impacto financeiro, entendimento dos custos e conexão com o planejamento pessoal. Quando usada com moderação, pode ser aliada. Mas quando feita por impulso ou hábito, vira armadilha.
Porque no fim das contas, cada parcela tem preço — e esse preço deve caber não só no bolso, mas na vida.