Capítulo 1: Cartão de crédito no Brasil: ferramenta de poder ou risco disfarçado?

Com total honestidade, poucas ferramentas financeiras geram tanta dualidade quanto o cartão de crédito. Para uns, é liberdade, conveniência, acúmulo de pontos, controle digital. Para outros, é vício, ciclo de dívida, ansiedade mensal e juros impagáveis. E essa ambiguidade não é casual: ela reflete o uso, o contexto e, principalmente, o nível de consciência financeira do consumidor.
Segundo o Banco Central do Brasil, em 2024, os brasileiros movimentaram mais de R$ 2 trilhões em compras com cartão de crédito, número que cresce ano a ano. Isso indica não apenas popularização, mas dependência. O cartão deixou de ser acessório e passou a ocupar papel central nas finanças pessoais — muitas vezes, substituindo a função do salário.
Mas o problema não está na ferramenta, e sim no uso desregulado. O economista Samy Dana costuma repetir em suas colunas na BandNews que “o cartão é como um bisturi: faz milagres nas mãos certas, e tragédias nas erradas.” Essa analogia é precisa. Um cartão bem gerido pode render benefícios; mal utilizado, pode destruir meses — até anos — de planejamento.
Espero que se entenda com clareza: o cartão de crédito é um tipo de empréstimo instantâneo, com prazo curto e juros altos. Ao realizar uma compra parcelada, o consumidor está contraindo dívida. Ao pagar apenas o mínimo da fatura, está entrando no chamado crédito rotativo, cujo juros médios ultrapassam os 400% ao ano, segundo dados da Febraban. Isso não é exagero — é realidade.
O primeiro passo para uso consciente é entender o limite como teto de endividamento, não como extensão de renda. Um erro comum é acreditar que o banco “ofereceu” R$ 5 mil como valor disponível. Mas na prática, esse é o limite que ele aceita emprestar — com cobrança futura, muitas vezes agressiva. O cartão deve estar subordinado ao orçamento, e não o contrário.
A professora Eliane Tancredi, da Unicamp, propõe uma regra útil: “Limite ideal de cartão deve ser no máximo 40% da renda líquida mensal.” Acima disso, o risco de comprometer o fluxo financeiro é alto. E, em caso de imprevistos, a inadimplência pode surgir rapidamente.
Outra dica prática — e aqui vale a experiência vivida por muitos — é nunca usar o cartão para despesas fixas essenciais, como supermercado, combustível, aluguel. Essas contas devem ser previstas no orçamento, pagas com saldo real. O cartão pode ser útil para compras pontuais, ou estrategicamente usado para acumular pontos (quando pago integralmente no vencimento).
Gostaria de compartilhar uma observação pessoal de jornalista: ao entrevistar famílias endividadas para uma reportagem sobre crédito no interior de São Paulo, percebi que o cartão era visto como “solução imediata” — especialmente nos fins de semana ou para emergências médicas. Essa percepção revela uma falha de educação financeira — o cartão não é fundo de emergência. A reserva precisa ser criada antes, com disciplina e método.
No aspecto técnico, vale explorar os benefícios reais quando bem usado. Programas como Visa Platinum, Mastercard Surpreenda e benefícios de milhas podem gerar retorno, desde que o consumidor pague a fatura integral no vencimento. Cartões como os oferecidos por Nubank, Banco Inter, C6 Bank oferecem cashback, acesso a salas VIP, parcelamento sem juros — desde que usados com planejamento.
Mas atenção: os “benefícios” são, muitas vezes, chamariz para uso excessivo. Comprar algo desnecessário para ganhar pontos é trocar planejamento por ilusão de vantagem. A educadora Miriam Zuckerman alerta: “Benefício que exige gasto não é ganho — é risco.”
Também vale configurar alertas de gasto, limites personalizáveis, e apps vinculados ao cartão. A tecnologia pode ser aliada na contenção: muitas plataformas permitem categorizar compras, visualizar padrões e até bloquear setores de consumo.
E, claro, é necessário revisar o histórico de uso mensalmente. O cartão exige acompanhamento constante — não apenas olhar o valor da fatura, mas entender cada gasto. Isso evita surpresas, permite ajustes e fortalece o senso de responsabilidade.
Concluo este capítulo com uma frase que uso desde minhas primeiras reportagens sobre finanças: “O cartão não diz quem você é — ele mostra como você decide.” O poder está no uso, e o uso consciente transforma o cartão em aliado. No Brasil, isso é mais do que um conselho — é uma estratégia de sobrevivência.