Capítulo 1: Endividamento crônico no Brasil: como romper o ciclo com planejamento e ação

Man analyzing design flowchart on whiteboard in a professional office setting.

Falar sobre dívidas é quase sempre desconfortável. E, com total honestidade, é compreensível. Há um peso cultural, emocional e até moral sobre quem deve — como se o endividado fosse sempre desorganizado ou irresponsável. Mas isso ignora a complexidade da realidade brasileira. Segundo a Confederação Nacional do Comércio (CNC), mais de 78% das famílias brasileiras estavam endividadas em algum nível em 2024. Isso não é desvio — é padrão. E como padrão, exige entendimento técnico e soluções estruturadas.

O ciclo de endividamento começa quase sempre de forma silenciosa. Um parcelamento, um cartão adicional, um saque emergencial. A princípio, tudo parece controlado. Mas com inflação alta, aumento do custo de vida e renda estagnada, o que era pontual vira recorrente. O economista Mauro Halfeld costuma dizer que “dívida se multiplica por descuido, não por desejo. Poucos se endividam por escolha consciente.” E isso muda o tom da conversa: não se trata de culpa, mas de estratégia para sair.

A primeira etapa é o diagnóstico. Saber o quanto se deve, para quem, em que condições. Parece óbvio, mas muitas pessoas não têm esse mapa. Dívidas com parcelas rolando em diferentes cartões, financiamentos, empréstimos consignados, crédito pessoal — tudo misturado, sem clareza. O recomendado é listar todos os compromissos com:

Valor total da dívida

Taxa de juros mensal

Valor da parcela

Prazo restante

Tipo de credor (banco, loja, pessoa física)

Esse levantamento permite priorizar. Dívidas com juros altos — especialmente cartão de crédito rotativo e cheque especial — devem ser tratadas com urgência. Como destacou a professora Eliane Tancredi, da Unicamp, “a prioridade na quitação de dívidas deve considerar o efeito do tempo sobre o valor devido. Dívidas caras envelhecem mal.”

O segundo passo é avaliar a capacidade atual de pagamento. Isso significa montar um orçamento realista com base na renda líquida, reduzindo gastos supérfluos e buscando margem para negociar ou quitar. Muitos educadores recomendam a técnica da inversão de metas: pagar primeiro a dívida, e viver com o restante. Parece duro, mas é eficaz. E, sinceramente, é melhor viver apertado por 12 meses do que endividado por 5 anos.

Quando se fala em negociação, é importante mencionar que bancos e financeiras no Brasil passaram a oferecer canais mais acessíveis nos últimos anos. Feirões da Serasa Limpa Nome, aplicativos com propostas automatizadas de renegociação, e até acordos via WhatsApp. A recomendação é sempre tentar trocar dívidas caras por dívidas mais baratas — um empréstimo pessoal para quitar o rotativo, por exemplo.

Mas cuidado: trocar dívida não é eliminar dívida. É reorganizar. E o erro mais comum aqui é usar crédito novo sem mudar comportamento. Como disse Samy Dana num podcast da BandNews: “Renegociar sem revisar seus hábitos é como trocar a febre pelo antitérmico — você trata o sintoma e ignora a causa.”

Outro ponto relevante é a construção de uma micro reserva. Parece contraproducente guardar dinheiro enquanto se deve, mas uma pequena reserva emergencial — mesmo que de R$ 200 ou R$ 300 — evita que novos imprevistos levem a mais dívidas. Esse fundo é como um escudo preventivo. E pode vir de atividades extras, venda de itens não utilizados ou cortes estratégicos.

Espero que se entenda que sair das dívidas não é só matemática — é mudança de lógica. Envolve revisar crenças, hábitos e formas de consumir. A psicóloga financeira Ana Paula Andrade reforça: “A dívida não é só uma conta a pagar. É uma história que precisa ser reescrita com responsabilidade e autocompaixão.”

Por fim, vale acompanhar a evolução mês a mês. Criar um documento, seja digital ou físico, onde se anota o quanto a dívida reduziu, o quanto foi pago, o que foi negociado. Isso motiva, organiza e permite comemorar avanços concretos.

Concluo este capítulo com uma certeza: o ciclo de endividamento pode ser rompido. E, sim, exige esforço. Mas com diagnóstico honesto, prioridades definidas e ação disciplinada, é possível transformar a dívida em passado — e o orçamento, em ferramenta de liberdade.

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